O documento final do Sínodo
da Amazônia, publicado este sábado 26 de outubro, propõe novas
opções pastorais e estruturas burocráticas.
O texto de 30 páginas e 120 pontos está dividido em uma
introdução, quatro capítulos e uma breve conclusão. Os capítulos correspondem à
conversão pastoral, cultural, ecológica e sinodal.
Embora o Papa
Francisco já tivesse mencionado a “conversão ecológica” em sua encíclica “Laudato Si’”, de 2015, o conceito de “pecado ecológico” foi
elaborado durante o Sínodo: propõe-se que o desrespeito à natureza seja visto
como uma nova forma de pecado, por representar um desrespeito ao “Criador”, ou
seja, Deus, e à sua obra, que são o planeta Terra e todos seres.
Entre os temas mais polêmicos, o Sínodo também propõe a
ordenação de homens casados, em alguns casos, para suprir a falta de padres na
Amazônia. Os participantes do encontro pedem para participar da discussão sobre
o diaconato feminino na Igreja com suas experiências.
O diácono é um ministro dedicado ao serviço na Igreja e está
um grau abaixo de um padre (não pode celebrar missas, ouvir confissões nem
ungir os enfermos). Atualmente, só homens podem ser diáconos, mas há evidências
de que mulheres realizaram serviços parecidos no passado.
As resoluções do Sínodo não são definitivas, mas apenas
propostas entregues ao Papa após um debate que durou três semanas, no Vaticano. Participaram cerca de 250 pessoas, entre bispos,
padres, religiosas, líderes indígenas, membros de outros grupos religiosos e
especialistas nos temas da Amazônia. Cabe, agora, ao Papa decidir o que fazer a
partir daí.
O texto
final do Sínodo sobre a Amazônia foi votado por 181 participantes que têm
direito a voto, os chamados “padres sinodais”. Durante a votação do documento,
todos os parágrafos receberam maioria de dois terços de aprovação. Os que
causaram mais discórdia foram justamente os parágrafos que tratam dos padres
casados e das mulheres diaconisas.
Entre os pontos mais importantes do documento final estão:
O conceito de “pecado ecológico” como uma “ação ou omissão
contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o ambiente” e o chamado à
conversão e o cuidado da “casa comum”, isto é, o planeta Terra.
Para isso, é preciso promover uma “ecologia integral como único
caminho possível”. A ideia é não separar as questões ecológicas dos problemas
sociais.
Proposta de criação de um observatório da Igreja para
denunciar problemas ambientais e sociais, promovendo a “defesa da vida” e
“defendendo os direitos dos mais vulneráveis”.
Pedido de maior mobilização da comunidade internacional para
destinar recursos econômicos para a proteção da floresta e para a promoção de
“um modelo de desenvolvimento justo e solidário” na Amazônia.
O texto faz fortes denúncias dos crimes contra os direitos
humanos na Amazônia, dizendo que há “impunidade na região com relação a
violações” desses direitos e “obstáculos para obter justiça”.
Proposta de ordenação de homens casados nas zonas remotas da
Amazônia para suprir a falta de padres. O texto diz que algumas regiões passam
meses e anos sem a missa. Embora continuem “apreciando o celibato como dom de
Deus”, os bispos do Sínodo propõem “ordenar homens idôneos e reconhecidos da
comunidade” que já sejam diáconos permanentes, mesmo que tenham uma família.
Há menção sobre o reconhecimento do “papel fundamental das
mulheres” nas comunidades da Amazônia e um pedido para que líderes da região
possam participar da discussão sobre a implantação do diaconato feminino.
O pecado ecológico
Segundo o cardeal Michael
Czerny, um dos autores do documento, “as queimadas
na Amazônia fizeram muita gente perceber que as coisas precisam mudar” na
região. Por isso, “a palavra conversão é forte para falarmos de mudanças
necessárias”. Todo o texto é delineado com essa palavra, em quatro eixos que
apresentam “novos caminhos” para a Amazônia: pastoral, cultural, ecológico e
sinodal.
O texto
final do Sínodo propõe a seguinte definição para o “pecado ecológico”: “uma
ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o ambiente”. Diz,
ainda, que se trata de um “pecado contra as futuras gerações”. A forma de
praticar esse pecado seria a contaminação e a destruição do meio ambiente.
Nesse sentido, os participantes do Sínodo pedem a criação de
“ministérios especiais” para o cuidado do meio ambiente na Igreja. Seriam
pessoas da Igreja com funções como cuidar do território e da água numa
determinada região, além de promover a formação ecológica
dos outros.
“A crise ecológica é tão profunda que se não mudarmos, não
vamos conseguir sobreviver”, comentou o cardeal Czerny, na apresentação do
documento. “Na Amazônia, se as coisas não mudarem, será um lugar amaldiçoado.
As pessoas vão vir, levar tudo o que tem valor, e deixar só destruição. Vamos
olhar para a Amazônia e não deixá-la se tornar uma maldição”, afirmou o
arcebispo canadense.
Padres casados
Durante as três semanas do Sínodo ficou evidente que a falta
de padres é uma grande preocupação da maioria dos bispos da Amazônia. Eles
divergiram, no entanto, sobre as ideias de como suprir essa carência.
A proposta de ordenar homens casados de boa reputação, os
chamados “viri probati”, ganhou força ao longo dos dias. Mesmo sendo um dos
parágrafos que receberam menos votos de aprovação (128 a favor e 41 contra), o
número 111 do texto acabou passando. Eram precisos 120 votos.
Nessa redação final, fala-se mais precisamente da elevação
dos diáconos permanentes ao nível de padres. Os diáconos são homens já
ordenados, mas apenas em primeiro grau. Sua função é realizar serviços nas
comunidades. Podem presidir celebrações, mas não missas. Não podem ouvir
confissões nem ungir os enfermos.
Como já existem padres casados no Oriente – e também os
padres anglicanos que se convertem ao Catolicismo podem continuar casados – os
bispos propuseram isso para a Amazônia.
O documento afirma que não se trata de extinguir o celibato
dos padres – a regra que prevalece no Ocidente – mas, ainda assim, abrir a
Igreja para a “ordenação de homens idôneos e reconhecidos da comunidade”, com
formação adequada.
O texto sinaliza, também, que não houve acordo sobre propor
essa mudança para toda a Igreja, além da Amazônia. Alguns participantes do
Sínodo pedem que essa abertura mais ampla.
Diaconato feminino
A pedido de um grupo de freiras, em 2016,
o Papa
Francisco chegou a criar uma comissão
no Vaticano para estudar o diaconato
feminino
na história da Igreja. A ideia era compreender como isso funcionava no passado,
pois mesmo que usassem o nome “diaconisas”, nem sempre eram o equivalente aos
diáconos homens. A palavra “diakonia” quer dizer serviço, em grego.
Essa comissão terminou seu trabalho em dezembro de 2018 sem
chegar a um consenso sobre o que foi o diaconato feminino no passado. Desde
então, o tema ficou sem conclusão e o Papa deixou que os teólogos trabalhassem
de forma independente, sem a comissão.
Agora, os bispos da Amazônia pedem que esse debate seja retomado
e, além disso, querem fazer parte dele. O documento final aponta para consultas
realizadas antes do Sínodo em que “se reconheceu o papel fundamental das
mulheres religiosas e leigas na Igreja”. Nessas consultas, muitos pediram que
as mulheres possam ser diaconisas católicas.
“Por essa razão, o tema também esteve muito presente no
Sínodo”, diz o texto. Ainda que de forma sutil, o documento pede que essa
possibilidade seja levada a sério. “Gostaríamos de compartilhar nossas
experiências e reflexões com a Comissão e esperamos os seus resultados”, diz o
texto.
No discurso de encerramento do Sínodo, Francisco prometeu
reabrir a comissão sobre as mulheres diaconisas, documento, número 99.
Questão indígena e direitos humanos
O documento fala em ampliar a defesa dos povos indígenas da
Amazônia, “mediante a garantia legal e inviolável dos territórios que ocupam de
forma tradicional”. O Sínodo pede mais mecanismos de cooperação entre os
estados, especialmente nas fronteiras.
“Em todo momento, deve-se garantir o respeito a sua
autodeterminação e à sua livre decisão sobre o tipo de relações que queiram
estabelecer com outros grupos”, diz o texto, acrescentando que a ameaça está
especialmente na “ampliação das fronteiras extrativas de recursos naturais e no
desenvolvimento de megraprojetos de infraestrutura”.
Para fazer frente a essas ameaças, os padres sinodais
propõem que a Igreja crie uma nova instituição, um “observatório socioambiental
pastoral”. A ideia é fazer um “diagnóstico do território e de seus conflitos
socioambientais”, para que a Igreja saiba como se posicionar diante deles.
Referencias:
Na introdução, os participantes do Sínodo fazem um
diagnóstico general sobre a Amazônia e afirmam que esta região “hoje é uma
formosura ferida e deformada, um lugar de dor e violência. Os atentados contra
a natureza têm consequências contra a vida dos povos”.
“Esta única crise sócio-ambiental se refletiu nas escutas
pré-sinodais que assinalaram as seguintes ameaças contra a vida: apropriação e
privatização de bens da natureza, como a própria água; as concessões
madeireiras legais e o ingresso de madeireiras ilegais; a caça e a pesca
predatórias; os mega-projetos não sustentáveis (hidrelétricas, concessões
florestais, exploração massiva de madeira, monoculturas, estradas, hidrovias,
ferrovias e projetos mineiros e petroleiros); a contaminação ocasionada pela
indústria extrativa e os lixões das cidades e, sobretudo, a mudança climática”,
prossegue o texto no parágrafo ou numeral 10.
Estas, indica o documento, “são ameaças reais que trazem
associadas graves consequências sociais: enfermidades derivadas da
contaminação, o narcotráfico, os grupos armados ilegais, o alcoolismo, a
violência contra a mulher, a exploração sexual, o tráfico e tráfico de pessoas,
a venda de órgãos, o turismo sexual, a perda da cultura originária e da
identidade (idioma, práticas espirituais e costumes), a criminalidade e
assassinato de líderes e defensores do território”.
“Por trás de tudo isso estão os interesses econômicos e
políticos dos setores dominantes, com a cumplicidade de alguns governantes e de
algumas autoridades indígenas. As vítimas são os setores mais vulneráveis, as
crianças, jovens, mulheres e a irmã mãe terra”, continua o texto.
Em relação à conversão pastoral, o documento final do Sínodo
propõe uma "Igreja em saída missionária", uma
"Igreja samaritana, misericordiosa, solidária", uma "Igreja em
diálogo ecumênico, interreligioso e cultural" que "leva-se a cabo
especialmente com as religiões indígenas e os cultos afrodescendentes",
uma "Igreja missionária que serve e acompanha aos povos amazônicos",
uma "Igreja com rosto indígena, camponês e afrodescendente", uma
"Igreja com rosto migrante" uma "Igreja com rosto
jovem" e uma Igreja "que percorre novos caminhos na pastoral
urbana".
Em relação à conversão cultural, o texto indica no parágrafo
48 que “a Igreja promove a salvação integral da pessoa humana, valorizando a
cultura dos povos indígenas, falando de suas necessidades vitais, acompanhando
os movimentos em suas lutas por seus direitos".
Mais adiante, no número 55, o documento final afirma que “a
evangelização que hoje propomos para a Amazônia, é o anúncio inculturado que
gera processos de interculturalidade, processos que promovem a vida da Igreja
com uma identidade e um rosto amazônico". Em nenhum momento se fala da
evangelização da cultura nem do anúncio direto de Jesus Cristo, nem da
conversão.
No que diz respeito à conversão ecológica, o texto assinala
no parágrafo 65 que “nosso planeta é um dom de Deus, mas sabemos também que
vivemos a urgência de atuar frente a uma crise socioambiental sem
precedentes" e propõem caminhar "para uma ecologia integral da
encíclica Laudato
Sì".
Segundo o parágrafo 74 do documento, "o papel da Igreja
é o de aliada. Eles (os indígenas) expressaram claramente que querem que a
Igreja os acompanhe, que caminhe junto a eles, e não que lhes imponha um modo
de ser particular, um modo de desenvolvimento específico que pouco tem que ver
com suas culturas, tradições e espiritualidades. Eles sabem como cuidar a
Amazônia, como amá-la e protegê-la; o que precisam é que a Igreja os
apoie".
No número 82 do texto se propõe logo “definir o pecado
ecológico como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade
e o ambiente". "Também propomos criar ministérios especiais para o
cuidado da “casa comum” e a promoção da ecologia integral a nível paroquial e
em cada jurisdição eclesiástica", prossegue o documento final.
O numeral 85 expõe logo criar um observatório socioambiental
pastoral que "trabalharia em aliança com o CELAM,
a CLAR,
Caritas, a REPAM,
os Episcopados nacionais, as Igrejas locais, as Universidades Católicas, a
CIDH, outros atores não-eclesiásticos no continente e os representantes dos
povos indígenas. Igualmente pedimos que no Dicastério para o Serviço do
Desenvolvimento Humano Integral, crie-se um escritório amazônico que esteja em
relação com este Observatório e as demais instituições locais
amazônicas".
No que se refere à conversão sinodal, os participantes do
Sínodo propõem “um estilo sinodal de viver e de obrar na região
amazônica". Para isso fazem as propostas de ordenar os "viri
probati", estudar a possibilidade da ordenação de mulheres para o
diaconato e a criação de um rito amazônico.
A isso se somam propostas como a do parágrafo 96 que
assinala que "o Bispo possa confiar, por um mandato de tempo determinado,
ante a ausência de sacerdotes nas comunidades, o exercício do cuidado pastoral
da mesma a uma pessoa não investida do caráter sacerdotal, que seja membro da
comunidade".
O numeral 102 do documento ressalta logo que “é necessário
fomentar a formação de mulheres em estudos de teologia bíblica, teologia
sistemática, direito canônico, valorizando sua presença em organizações e sua
liderança dentro e fora do entorno eclesiástico" e no parágrafo 108 se
propõe além disso uma formação de futuros sacerdotes que inclua
"disciplinas que abordem a ecologia integral, a eco teologia, a teologia
da criação, as teologias índias, a espiritualidade ecológica, a histórica da
Igreja na Amazônia, a antropologia cultural amazônica, etc".
O parágrafo 112 indica deste modo a necessidade de
“redimensionar as extensas áreas geográficas das diocese, vicariatos e
prelazias; criar um fundo Amazônico para o sustento da evangelização;
sensibilizar e estimular às agências internacionais de cooperação católica para
que apoiem além dos projetos sociais as atividades de evangelização".
O documento final
propõe logo criar uma Universidade Católica Amazônica e no numeral 115 sugere
iniciar um novo "Organismo Eclesiástico Regional Pós-sinodal para a região
amazônica".
O numeral 120 conclui fazendo votos para que “Maria, Mãe da Amazônia,
acompanhe nosso caminhar; a São José, custódio fiel de Maria e de seu filho
Jesus, consagramo-lhe nossa presença eclesial na Amazônia, Igreja com rosto
amazônico e em saída missionária".
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