É regra: todos os anos,
a Igreja
Católica envia uma mensagem
aos muçulmanos
pelo mês do Ramadã,
outra aos budistas
pela festa
do Vesakh
e uma terceira aos hindus
pela festa do Deepavali. Quem assina os textos é o presidente do Pontifício
Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, o organismo da Cúria Romana dedicado
às relações da Igreja Católica com outras religiões (VIAGEM
APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AOS EMIRADOS ÁRABES UNIDOS).
Em outra sala do mesmo prédio, na Via
della Conciliazione, número 5,
em Roma, outro organismo da Cúria tem, entre outras, a tarefa de coordenar
comissões de diálogo bilateral com ortodoxos,
luteranos, batistas, anglicanos, metodistas e menonitas. É o Pontifício
Conselho para a Promoção da
Unidade dos Cristãos.
Esses dois organismos – ou dicastérios, como são chamados
organismos da Cúria
Romana como esses – têm missões diferentes. Um faz diálogo inter-religioso
e o outro faz ecumenismo. Embora essas duas realidades tenham a ver com
diálogo, compreensão, amizade e tolerância, não são sinônimas: os
interlocutores são diferentes, e os objetivos também.
A confusão entre os termos costuma ser consequência de uma
confusão anterior: falar de religiões, no plural, quando queremos na verdade
nos referir às diferentes denominações cristãs. O cristianismo é uma só
religião. Portanto, o diálogo entre luteranos e católicos ou entre anglicanos e
ortodoxos não é inter-religioso. Essas relações são chamadas de ecumênicas.
Para ser visualmente didático: abaixo, está uma foto do
encontro de líderes religiosos convocado por Bento XVI em outubro de 2011, em
Assis, para levantar a voz em favor da paz e comemorar os 25 anos de um
encontro do mesmo tipo concebido por João Paulo II e realizado no mesmo local.
Francisco hospedaria um encontro semelhante em 2016."
"À direita estão os interlocutores da Igreja Católica
na esfera do diálogo inter-religioso: um representante do judaísmo, um das
religiões tradicionais africanas, um do hinduísmo, um do budismo e um do
islamismo. À esquerda estão os interlocutores da Igreja Católica no âmbito do
ecumenismo. Da direita para a esquerda: um representante dos ortodoxos
bizantinos, um dos anglicanos, um dos ortodoxos orientais e um dos
protestantes. A exceção da foto é a filósofa búlgaro-francesa Julia Kristeva, à
esquerda, que participou do encontro representando as pessoas agnósticas.
Objetivos diferentes
Os proponentes do diálogo inter-religioso não têm como
objetivo a fusão entre as religiões ou qualquer coisa parecida: o objetivo do
diálogo é a busca de compreensão mútua entre as religiões e a sua cooperação em
vista da paz e da justiça. Já o objetivo do ecumenismo é, sim, chegar à plena
unidade entre os cristãos.
O Conselho
Mundial de Igrejas (CMI), fundado em 1948 e que reúne hoje 349 igrejas, se
define como “uma comunidade de igrejas a caminho da unidade visível em uma fé e
uma comunhão eucarística”.
Do ponto de vista da Igreja Católica – que não é membro
pleno do CMI –, o mais importante documento eclesial sobre o assunto – o
decreto Unitatis
redintegratio, do Concílio
Vaticano II (1962-1965) – afirma que um dos principais propósitos do
concílio foi “promover a restauração da unidade entre todos os cristãos”."
"Bento XVI, por exemplo, defendeu
que “a meta do ecumenismo é a unidade visível entre os cristãos divididos” – e
no início do seu pontificado, em 2005 (SANTA
MISSA PELA IGREJA UNIVERSAL), disse
assumir “como compromisso primário o de trabalhar sem poupar energias na
reconstituição da plena e visível unidade de todos os seguidores de Cristo” e
estar “disposto a fazer tudo o que estiver em seu poder para promover a
fundamental causa do ecumenismo”.
De fato, a passagem bíblica que é mais comumente relacionada
com o ecumenismo é um trecho da oração de Jesus ao Pai durante a última ceia no
Evangelho de João (17, 21): “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles
que pela sua palavra hão de crer em mim; para que todos sejam um, como tu, Pai,
és em mim e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia
que tu me enviaste”. A unidade, assim, fica relacionada com a credibilidade do
testemunho cristão.
Unidade como?
No entanto, segundo a posição oficial da maior parte das
igrejas envolvidas com o ecumenismo, essa plena unidade não significa bater
tudo no liquidificador para dar origem a uma nova igreja unificada. Também não
significa incorporar ou submeter umas igrejas a outras, nem “converter” todos
os cristãos a uma das igrejas existentes.
A título de exemplo, o papa Francisco já deixou claro que a
unidade entre os cristãos não é “uniformidade” nem “absorção”. “Procurar
suprimir tal diversidade significa ir contra o Espírito Santo, que age
enriquecendo a comunidade dos crentes com uma variedade de dons”, afirmou,
dizendo ainda que “a unidade dos cristãos não comporta um ecumenismo ‘de
marcha atrás’, pelo qual se deveria renegar a própria história de fé; nem
sequer tolera o proselitismo, que aliás é um veneno para o caminho ecumênico”.
O patriarca ecumênico* de Constantinopla Bartolomeu I, por
sua vez, ressaltou: “Na medida em que uma igreja reconhece que outra igreja é
uma fonte de graça santa e um guia que conduz à salvação, os esforços
destinados a afastar os fiéis de uma igreja para que eles possam se unir a
outra são inaceitáveis, sendo inconsistentes com o reconhecimento acima
mencionado. Cada igreja local não é concorrente das outras igrejas locais, mas
é um só corpo com elas e deseja a vida de unidade em Cristo, a restauração do
que foi perturbado no passado e não a absorção da outra”.
No âmbito ecumênico, é comum usar a expressão “diversidade
reconciliada” para falar desse modelo. A Federação
Luterana Mundial o descreve como “um caminho para a unidade que não implica
automaticamente a rendição de tradições confessionais e identidades
confessionais” e em que “não há nenhum encobrimento sobre as diferenças.
Tampouco as diferenças são simplesmente preservadas e mantidas inalteradas.
Pelo contrário, elas perdem seu caráter divisivo e se reconciliam entre si”.
Assim, a unidade plena entre os cristãos respeitará a
diversidade interna do cristianismo – e será grata pelo mútuo enriquecimento
que ela possibilita.
*Nesse título, “ecumênico” tem outro significado, mais
literal e também mais parecido com aquele que aparece na expressão “concílio
ecumênico”. “Ecumenismo” vem do grego οἰκουμένη (oikouméne), que quer dizer
“terra habitada”. No título do patriarca de Constantinopla, indica que ele é o
primaz da comunhão ortodoxa. Embora cada uma das 14 igrejas ortodoxas seja
autônoma, o patriarca de Constantinopla ocupa honorificamente a primeira
posição entre os hierarcas de cada uma delas. Na ideia de concílio ecumênico,
está a noção de uma assembleia que reúne bispos do mundo todo."
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Todos os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do Site IUPAN.
Será feita moderação em casos de desrespeito, xingamentos, palavrões, propagandas sem autorização (spam).