contada
por um de seus principais criadores.
O
Conselho para um Parlamento das Religiões do Mundo em Chicago delegou-me a
função de desenvolver
um esboço de uma Declaração das Religiões para uma Ética Global. Essa foi para mim uma
tarefa extremamente difícil. Em todo caso, depois de ter que lidar com os
problemas semelhantes
durante um semestre inteiro (1992), num colóquio interdisciplinar com
participantes
de várias religiões e continentes tive condições de produzir um esboço inicial
e enviá-lo
a vários colegas e amigos para correção.
Este
primeiro rascunho recebeu ampla aprovação daqueles a quem foi enviado. Ao mesmo tempo,
dezenas de sugestões para correções formais, bem como de conteúdo, foram dadas.
Levei-as
em consideração o mais cuidadosamente possível, num segundo esboço; dessa maneira,
o texto ganhou em precisão. Desejo estender meus sinceros agradecimentos àqueles
que participaram deste importante projeto, seja no colóquio interdisciplinar ou
em colaboração
desde o início, por meio de correspondência.
Gostaria
de indicar aqui, de modo breve, os princípios que me guiaram nessa tarefa.
1. Em
primeiro lugar, esta deveria ser uma declaração das religiões, que poderia mais
tarde ser seguida por uma declaração geral (como,
por exemplo, no âmbito da UNESCO).
2. Numa
declaração para uma ética mundial, o foco não poderia incidir sobre o plano das leis, direitos codificados e parágrafos
recorríveis (como no caso dos direitos humanos, por exemplo), ou no plano político, de
sugestão de soluções concretas (como na crise da dívida do Terceiro Mundo), mas apenas no nível
ético: o âmbito dos valores agregativos, padrões irrevogáveis e atitudes interiores
fundamentais. É claro que esses três níveis estão relacionados entre si.
3.
Houve sugestões para tornar a declaração mais "religiosa". Contudo,
novas dificuldades resultariam daí. Se, por exemplo, falássemos
"em nome de Deus", a priori excluiríamos os Budistas. Além do mais, não há consenso sobre
a definição do que é "religião". Em todo caso, referi-me claramente à dimensão da
transcendência, sem forçar a anuência dos não religiosos, que esta declaração deve
incluir.
4. Por
outro lado, houve sugestões para tornar a declaração menos
"religiosa". Contudo, se as religiões, em essência, apenas repetissem
os princípios da Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, tal declaração se
tornaria supérflua; uma ética é mais do que um conjunto de direitos. É claro que nossa
Declaração para uma Ética Global pode ser um apoio ético à Declaração dos Direitos
Humanos da ONU. De fato, é totalmente
desejável que a UNESCO ou a ONU, assim que
possível, também apresentem uma Declaração para uma Ética Global.
5. A
declaração deve ser capaz de produzir consenso. Portanto, devem-se evitar afirmações que a priori seriam rejeitadas por
uma das grandes religiões e, conseqüentemente, questões morais
controvertidas (como aborto ou eutanásia) tiveram de ser excluídas.
6. Esta
deve ser uma declaração formulada em linguagem amplamente compreensível, o que evitará argumentos técnicos e jargões, e
passível de tradução em diversos idiomas.
Parece-me ser mais compreensível começar com
definições negativas e, em seguida, mudar para afirmações positivas.
Esta
declaração foi assinada pela maioria dos quase duzentos delegados das religiõesmundiais
que participaram do Parlamento das Religiões do Mundo, ocorrido no centenário
do
primeiro
Parlamento Mundial das Religiões, em Chicago, em 1893. O Parlamento das Religiões
do
Mundo de 1993 (com a participação de 6.500 pessoas) ocorreu entre 28 de agosto
e 4 de setembro
de 1993 em Chicago, e esta declaração foi solenemente proclamada em 4 de setembro
de 1993.
Considerações
explicativas - O mundo está experimentando uma crise fundamental: a crise
na economia global, na ecologia global e na política global. A falta de grandes
visões, o emaranhado
dos problemas não resolvidos, a paralisação política, lideranças políticas medíocres
com pouca visão interior e exterior e, em geral, muito pouco senso de bem comum
são
vistos por toda parte. Há muitas respostas antigas para novos desafios.
Centenas
de milhões de seres humanos em nosso planeta sofrem cada vez mais com o desemprego,
pobreza, fome e a destruição de suas famílias. A esperança de uma paz duradoura
entre as nações afasta-se de nós. Há tensões entre os sexos e as gerações.
Crianças
morrem, matam e são mortas. Cada vez mais países são abalados pela corrupção na política
e nos negócios. É cada vez mais difícil viver pacificamente em nossas cidades, devido
aos conflitos sociais, raciais e éticos, o abuso de drogas, o crime organizado
e até a anarquia.
Mesmo vizinhos freqüentemente vivem com medo uns dos outros. Nosso planeta
continua
a ser impiedosamente pilhado. Um colapso dos ecossistemas nos ameaça.
Repetidamente,
vemos líderes e membros de religiões incitar a agressão, o fanatismo, o ódio e a
xenofobia - e até inspirar e legitimar conflitos violentos e sangrentos. A
religião é muitas vezes
usada apenas para fins de poder político, incluindo a guerra. Estamos
desgostosos.
Condenamos
esses males e declaramos que eles não são inevitáveis. Já existe, nos ensinamentos
religiosos do mundo, uma ética que pode conter a dor global. É evidente que essa
ética não oferece solução direta para todos os imensos problemas mundiais. Mas proporciona
fundamentos morais para uma melhor ordem individual e global - uma visão que pode
afastar mulheres e homens do desespero, e a sociedade, do caos.
Somos
pessoas comprometidas com os preceitos e práticas das religiões do mundo.
Confirmamos
que já existe um consenso entre elas, que pode ser a base para uma ética global
- um consenso fundamental mínimo a respeito de valores agregativos, padrões irrevogáveis
e atitudes morais fundamentais.
1.
Nenhuma ordem mundial melhorará sem uma ética global
Nós,
mulheres e homens de várias religiões e regiões da terra nos dirigimos aqui a
todas as pessoas,
religiosas e não religiosas, pois compartilhamos as seguintes convicções:
que
todos somos responsáveis por uma ordem mundial melhor;
que a
luta pelos direitos humanos, liberdade, justiça, paz e preservação da terra é
justa e necessária;
que
nossas diferentes religiões e tradições culturais não devem impedir nosso envolvimento comum
em oposição a todas as formas de desumanidade e o trabalho para uma maior humanização;
que os
princípios expressos nesta declaração podem ser afirmados por todas as pessoas com
convicções éticas, religiosamente fundamentadas ou não;
que nós,
como mulheres e homens religiosos que baseamos nossas vidas numa realidade última,
e que dela tiramos força espiritual e esperança por meio da fé, da oração ou meditação,
em palavras ou silêncio temos, contudo, uma responsabilidade muito especial pelo bem-estar
de toda a humanidade.
Depois
de duas guerras mundiais, do colapso do fascismo, nazismo, comunismo e colonialismo,
e do fim da guerra fria, a humanidade entrou numa nova fase de sua história.
Ela tem
hoje suficientes recursos econômicos, culturais e espirituais para instaurar
uma ordem
mundial melhor. Mas novas tensões étnicas, nacionais, sociais e religiosas
ameaçam a construção
pacífica de um mundo assim. Nossa época experimentou um progresso tecnológico
nunca antes ocorrido, e, no entanto ainda somos confrontados pelo fato de que a
pobreza, a fome, a mortalidade infantil, o desemprego, a miséria e a destruição
da natureza,
em âmbito mundial, não diminuíram, mas aumentaram. Muitas pessoas estão
ameaçadas
pela ruína econômica, desordem social, marginalização política e pelo colapso nacional.
Em tal
situação crítica, a humanidade não precisa apenas de ações e programas
políticos, mas
também de uma visão de convívio pacífico entre as pessoas, grupos étnicos e
éticos e religiões;
precisa de esperanças, metas, ideais, referências. Mas estes escaparam das mãos das
pessoas ao redor do mundo. Será que as religiões, contudo, apesar de suas
freqüentes
falhas
históricas, não têm a responsabilidade de demonstrar que tais esperanças,
ideais e referências
podem ser cultivados, defendidos e vividos? Isso é especialmente verdadeiro em relação
ao Estado moderno: exatamente porque ele garante a liberdade de consciência e religião,
e precisa de valores agregativos, convicções e normas que sejam válidos para
todas as
pessoas, não importando a sua origem social, cor da pele, idioma ou religião.
Estamos
convencidos da unidade fundamental da família humana. Portanto, rememoramos a Declaração
Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948. Aquilo que ela formalmente
proclamou em termos de direitos, gostaríamos de confirmar e aprofundar aqui, na
perspectiva de uma ética: a integral realização da dignidade intrínseca da
pessoa humana,
da liberdade inalienável, da igualdade de todas as pessoas, e a necessária solidariedade
de toda a humanidade.
Baseados
em experiências de vida pessoal e na história opressiva de nosso planeta aprendemos:
que uma
ordem mundial melhor não pode ser criada ou, efetivamente, respeitada apenas por
meio de leis, prescrições e convenções;
que a
realização da justiça em nossas sociedades depende do discernimento e da
prontidão para
agir justamente;
que
ações em favor de direitos presumem uma consciência de dever, e que, portanto devemos
nos dirigir tanto às mentes quanto aos corações das mulheres e homens; que
direitos sem moralidade não podem durar muito, e que não haverá uma ordem
mundial melhor
sem uma ética global.
Não
entendemos ética global como uma única religião acima de todas as demais, e certamente
não como a dominação de uma religião sobre todas as outras. Por ética global entendemos
um consenso fundamental sobre valores unificadores, patamares incondicionais e
atitudes pessoais. Sem tal consenso ético básico, qualquer comunidade será cedo
ou tarde ameaçada
pelo caos ou ditadura.
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